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quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Os Sinos de Elisa

Ela balbuciou alguns passos diante do espelho. Sentia-se extremamente sexy naqueles sapatos. Vestia uma cinta liga vermelha e por cima um sobretudo. Foi até o criado mudo, abriu a gaveta e pegou um cigarro, antes pôs pra tocar o álbum "The idiot", do Iggy Pop. Desde que lera que Ian Curtis se enforcou ouvindo "The idiot", decidiu que quando chegasse a hora faria o mesmo. Simulou alguma tristeza, queria alguma oração mas, não sabia nenhuma. Desconhecia até a paternidade de Jesus. Pouco importava Deus pra ela, e nessa reciprocidade buscava forças para o que ia fazer. Chamava-se Elisa. Tinha dezesseis anos. Morava em um quarto sujo, no sétimo andar de um prédio em ruínas. Desde quando abandonou o orfanato morava ali, conseguiu o quartinho com um funcionário do orfanato. Era um sujeito extremamente repugnante. A ajudou  a fugir e lhe deu abrigo. Elisa pagava o favor  todas as sextas com sexo. Foi o trato firmado antes da fuga, seis meses atrás.
— A vida é mesmo uma merda!- dizia.
Abandonada pelos pais numa maldita igreja, foi acolhida por um padre pedófilo que a ajudava na mesma proporção do abuso. Em meio a tantos santos assustadores, a única coisa de que gostava eram os sinos, o barulho a impressionava e, ficava admirada com o balançar, a dança dos sinos.Tinha na época quatro anos. Ficou sob o zelo do padre por quase três anos. Apesar dos abusos do padre, tinha uma confusa simpatia pelo solidário, monstro, de batina. Até a noite que decidiu fugir. Morou na rua por seis anos, sobreviveu graças a seu karma que era pesado demais para permitir que morresse. Quando estava com doze anos, foi violentamente estuprada por três garotos um pouco mais velhos que ela. Elisa já sabia que o inferno fazia parte de sua vida e quando sarou as feridas já quase não lembrava mais do ocorrido. Dois meses depois descobriu que estava grávida. Uma médica que prestava serviço voluntário num albergue onde as vezes Elisa dormia à deu o prognóstico. Proibiram que Elisa dormisse ali desde então. como uma gota d'água doce no oceano, a médica decidiu ajudar. À levou para um orfanato. Era a mais velha  de um grupo de trinta crianças. Trabalhava muito, era maltratada pelos funcionários, não aceitavam o fato de uma criança de doze anos estar grávida. De tanto trabalhar e apanhar, Elisa perdeu o filho. Ficou feliz. Permaneceu sendo maltratada por mais dois anos, foi quando mudou a administração do orfanato. Foram contratados funcionários novos e, Elisa não mais era maltratada. Mas o orfanato ainda era uma prisão, existiam normas, horários e tarefas. Mais uma vez Elisa queria fugir. Foi quando conheceu Geraldo, o zelador. Era um sujeito sujo, gordo e quase todo ignorante. Desde a chegada no orfanato, Geraldo não tirava os olhos de Elisa. Ela, por mais repulsiva que fosse a ideia, decidiu tirar proveito da situação. Estava com quinze anos. Elisa começou então uma aproximação, pedia cigarros, em troca deixava ele se masturbar, enquanto, nua, fumava. Era num quartinho escuro nos fundos da sala da limpeza. Geraldo terminava antes de Elisa chegar na metade do cigarro. Tudo durou um mês, Até Geraldo decidir ajudar na fuga. Mas, antes à ofereceu o quartinho e as condições para Elisa usa-lo. Elisa aceitou sem pensar. Nunca tivera um espaço só pra ela, e mesmo não sendo dela, o ocuparia sozinha. Salvo as sextas em que tinha que pagar o aluguel, mesmo assim, Geraldo nunca conseguia ficar mais que dez minutos. Haviam algumas revistas velhas empilhadas num canto do quarto, o tempo passava a medida que Elisa lia. Aprendera a ler com o padre. Leu, certa vez, um artigo onde dizia que Ian Curtis havia se enforcado tendo como trilha sonora o álbum "The idiot" do Iggi Pop. Não sabia quem era Ian Curtis, mas conhecia Iggi Pop e decidiu que queria a mesma trilha sonora para sua derradeira hora. Em outra revista tinha a imagem de uma prostituta, dessas de luxo. Ela vestia uma cinta liga vermelha, um sobretudo e sapatos de salto alto, pretos. Alem da cama, um criado mudo e um espelho, havia também no quarto um toca discos. Decidiu que iria tirar um último proveito da bondade sádica de Geraldo. Na sexta seguinte entregou para Geraldo o recorte da prostituta e lhe disse que queria, a cinta liga, o sobretudo, os sapatos e também o álbum "The idiot", explicou certinho pra ele o que era e quem era Iggi Pop. Disse que se não comprasse o que pedia iria embora e nunca mais ele iria vê-la. Com medo de perder seus únicos dez minutos de prazer na vida, Geraldo aceitou. Na sexta seguinte, trouxe tudo que ela havia pedido. Elisa sorriu, e fez o que nunca havia feito antes. Deu um molhado e demorado beijo. Geraldo acabou ejaculando em suas calças e, envergonhado, saiu correndo. Elisa sorriu. Agora era hora de pôr em pratica seu plano. Colocou o espelho, com certa dificuldade, no centro do quarto. Despiu-se. Vestiu a cinta liga, calçou os sapatos e pôs o sobretudo, mirou o espelho, olhou os sapatos, passou a mão pelo seu corpo como quem usasse o tato pela primeira vez. Admirou-se. Sorriu. Pegou o criado mudo, colocou em frente ao espelho. Pegou um lençol já devidamente amarrado em outro, subiu no criado mudo e os amarrou na viga central do teto. Para testar se estava corretamente amarrado se balançou, lembrou dos sinos, se balançou de novo, parecia se divertir, ela ria. Balbuciou alguns passos diante do espelho, sentia-se extremamente sexy naqueles sapatos. Pegou um cigarro e colocou "The idiot" para tocar. acendeu o cigarro, simulou alguma tristeza, porem, sorria.
Subiu no criado mudo, passou o lençol no pescoço, amarrou fortemente de modo que o nó não desatasse, olhou uma última vez no espelho, pensou no padre, sorriu. Deixou o corpo cair, solto, bailando, como os sinos da maldita igreja que sempre gostava de ficar olhando.

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